Placas



Há algum tempo atrás, alguém comentou que minhas fotos eram só de estradas, monótonas, tudo igual. Fui ao seu perfil no Facebook, passados uns dias e retruquei então, dizendo-lhe que suas fotos postadas também eram a mesma coisa, tudo igual: só ele, a mulher e os dois filhos. Monótonas.

Certamente ele não leu o Manual da Vida, mais conhecido como O Pequeno Príncipe e por isso não sabe ver com o coração, quando então o essencial é percebido.

Pedalo sempre por estradas asfaltadas por ser mais cômodo. Com isso perco paisagens bucólicas rurais, cachoeiras. Como forma de compensar-me, viajo nas placas que fotografo, pois cada uma ganha vida, revelam uma personalidade ou uma história própria. Perto de Botucatu, na rodovia conhecida como Castelinho, uma placa indica: HOSPITAL PSIQUIÁTRICO. Quando menino a ideia de manicômio assombrava, até os adultos evitavam comentar a respeito, assim como o câncer... e os meninos se desafiavam, quem teria coragem de chegar até a grade do hospital de loucos? 

Esse hospital da placa, bem perto da estrada, não teria sido construído pensando em futuramente internar um louco passante que viaja de bicicleta por dezenas de cidades, milhares de quilômetros, arrebatando centenas de amigos, que enxerga, na placa, um mundo e não somente um retângulo azul com letras brancas apresentando uma informação?...

E quanta informação! AEROPORTO. A imaginação e meu sonhar delirante faz da placa um portal; transporto-me ao saguão de tal aeroporto onde passeio entre o casal jovem em lua-de-mel, com destino a Paris, Roma, Fernando de Noronha ou Ilha do Mel... o homem que segue preocupado para um tratamento de saúde complexo... o coração ou rim ou olhos congelados que proverão outros corpos... o time de vôlei do colégio local - ou das cercanias - naquela algazarra de saída de escola... o funcionário transferido... um ciclista competidor que irá defender as cores do Brasil na França... o cafezinho supercaro no balcão idem...

Olhar sem imaginar não é OLHAR, mas apenas uma rápida passagem de vistas. Os que ainda não foram tocados pela graça do sonhar acordado, como se fora um anjo ou aspirante ao Bolshoi (o que vem a dar no mesmo), ou seja, noventa e nove por cento da população - que irão contestar esse número pois são especialistas em estatísticas -, não entenderão como isso pode acontecer na cabeça de alguém, visto que seus neurônios são iguais. Ou muito semelhantes. Como os de Hitler e os de Madre Teresa; os de Beethoven e os de Michel Teló, ou ainda como os meus e os do homem lá em Adamantina, possuidor de um automóvel de mais de milhão, que esboçou recusar meu cartão em que divulgo minha viagem, pensando que eu ia lhe pedir dinheiro...

03/11/14